Terça-feira, 6 de Fevereiro de 2007

Aborto e civilização

Quando se diz que o feto é "parte"; do corpo da mãe, é falso, porque não é parte: está "alojado"; nela, melhor, implantado nela.

José Manuel Moreira

O aborto voluntário vai tornar-se uma das grandes questões nas sociedades ocidentais. O regresso do tema à tolerante Holanda é só mais um sintoma. O interesse com que entre nós se vive o sim ou não no referendo é disso bom sinal. Há diversas formas de entrar no debate: desde a inconveniência ou ilicitude do aborto à fé religiosa, para cristãos com força de convicção de uma moral universal. Há outra posição que pretende ter validade universal: a científica, embora também aqui as provas não sejam acessíveis à imensa maioria dos homens e mulheres, que as admite por fé (na ciência).

A minha preferida "na linha de artigo (1983) do filósofo Julián Marias é outra, acessível a todos e independente de conhecimentos científicos ou teológicos que poucos possuem. É a visão antropológica, fundada na mera realidade do homem tal como se vê, vive e se compreende a si mesmo.

Trata-se da distinção decisiva entre "coisa" e "pessoa" que se revela no uso da língua. Em todas as línguas há uma distinção essencial: entre "que" e "quem" "algo" e "alguém" "nada"e "ninguém" Se entro numa casa onde não há nenhuma pessoa, direi: "não há ninguém";, mas não me ocorrerá dizer: "não há nada";, porque pode estar cheia de móveis, livros, lustres, quadros.

O que tem isto a ver com o aborto? Muito. Quando se diz que o feto é "parte" do corpo da mãe, é falso, porque não é parte: está "alojado"; nela, > melhor, implantado nela (nela e não meramente no seu corpo). Uma mulher dirá: "estou grávida"nunca "o meu corpo está grávido"Uma mulher diz: "vou ter um filho" não diz: "tenho um tumor"

A pergunta a referendar, ao usar, em vez de aborto provocado, "interrupção voluntária da gravidez";, não só abusa da hipocrisia como se esconde sob a capa de despenalização. Os advogados do sim não gostam da comparação, mas com isto os partidários da pena de morte vêem as dificuldades resolvidas.
Podem passar a chamar à tal pena "por forca ou garrote " " interrupção da respiração"(e também são só uns minutos).

Há ainda as 10 semanas, como se para a criança fizesse diferença em que lugar do caminho se encontra ou a que distância, em semanas ou meses, da sua etapa da vida que se chama nascimento será surpreendida pela morte.

O mais estranho é que para os progressistas o aborto é visto como sinal de progresso, enquanto a pena de morte é de atraso. Dantes denunciavam a "mulher objecto"agora querem legitimar a criança-objecto, a criança-tumor, que se pode extirpar, em nome do "direito de dispor do próprio corpo"

O direito (com bons propósitos) serve para nos impedir de entender "o que é aborto" Por isso se mascara a sua realidade com fins convenientes ou pelo menos aceitáveis: o controle populacional, o bem-estar dos pais, a situação da mãe solteira, as dificuldades económicas, a conveniência de dispor de tempo livre, a melhoria da raça.

A tudo isto acrescem as tentativas de abolir as relações de maternidade e paternidade, reduzindo-as a mera função biológica sem duração para além do acto de geração, sem nenhuma significação pessoal entre o "eu" o "tu" e o "ele(a)"implicados.
Felizmente, ao pôr-se a nu a grave dimensão da aceitação social do aborto, facilita-se o regresso de temas que os "progressistas"julgavam de direita e, por isso, ultrapassados: a família e a natalidade.

Não devemos estranhar que os mesmos que sempre se equivocaram sobre tudo, desde a natureza do regime soviético a Cuba, passando pelo fim do trabalho e as nacionalizações, se encontrem agora, de novo, unidos no "sim" ao aborto (e no "não" ao sofrimento dos animais). E, ontem como hoje, acompanhados de idiotas úteis. Alguns, pelos vistos, "liberais" que desconhecem que a noção de liberdade para o liberalismo clássico é oposta à de "direito a ou de"Para T. Jefferson os seres humanos são independentes, mas não da moral; se a desafiamos, não somos livres mas escravos, primeiro das nossas paixões e depois possivelmente da tirania política. Que tipo de governo democrático poderá controlar homens que não podem controlar as suas próprias paixões? Situação que piorará com a ilusão do Estado contraceptivo e a liberalização das oportunidades para a irresponsabilidade.

José Manuel Moreira, Professor universitário e membro da Mont Pélérin Society

http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/opinion/columnistas/pt/desarrollo/733650.html
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publicado por gjlumiar às 19:00

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De venhammaiscinco a 7 de Fevereiro de 2007 às 12:55
Em Democracia, todos temos o direito (apetecia-me dizer ‘o dever de...’) a assumir uma opinião. Como tal, considero tão respeitáveis e válidas as opiniões pelo SIM à despenalização da IVG, como aquelas que, de uma forma coerente e responsável, se batem pelo NÃO.

No entanto, parece-me também que, essa mesma e nem sempre bem tratada democracia, exige que, ao defendermos essa dita opinião, assumamos, em simultâneo, e na totalidade, as consequências da mesma. E é aqui que a firmeza de alguns ‘NÃOs’ começa a vacilar...

Ao defender o SIM, no referendo sobre a despenalização da IVG, assumo sem preconceitos que estou a dizer que as mulheres que decidem interromper a gravidez até às 10 semanas (qualquer que seja a causa dessa opção), não devem ser, de modo algum, penalizadas por isso. Estou também a assumir que essa interrupção pode (apetece-me de novo dizer ‘deve’) ser realizada numa unidade do Serviço Nacional de Saúde (desde que esse seja o desejo da mulher), em perfeitas condições higiénico-sanitárias. Ao assumir isto, autorizo, com certeza, que uma parte dos meus impostos seja gasta para garantir a dignidade das mulheres e resolver um problema premente de saúde pública. Mas assumo também que estou a dar prevalência ao valor da maternidade responsável e desejada, relativamente a um embrião em estágio muito precoce do seu desenvolvimento. Mas se lhe quiserem chamar uma forma de vida, então eu também assumo, de novo sem preconceitos, que privilegio a vida numa forma mais ampla, mais completa, recheada de afectos, sem culpas e sem traumas. Mesmo que aumentem o dramatismo da situação e acrescentem um coração a bater, eu continuo, sem remorsos, a considerar também os outros corações e a afirmar que um coração sem afecto, pode bater, mas não VIVE.

Era esta frontalidade que eu gostaria de ver nos defensores do ‘Não’. Mas, na maioria das intervenções ela não só está ausente, como o que emerge é uma hipocrisia beata, que se quer fazer passar por benfeitora.

Ainda não percebi muito bem: os defensores do ‘Não’, não querem ver as mulheres na cadeia (é uma coisa feia, que não fica nada bem defender...), mas também não querem que se altere a lei?!... Estranho?! Pois..., mas, na cabeça desta gente, não é incompatível... Então o que defendem é assim uma coisa meio cinzenta (e ilegal, já agora), em que a lei – no papel - penaliza (para preservar as nossas consciências, é sempre bom), sujeitando as mulheres a uma pena até 3 anos de prisão, mas depois, nos tribunais – isto é, na prática – deverão existir uns juízes muito bonzinhos, que fecham os olhos à lei, e, de forma caridosa (e se possível deixando uns bons conselhos para orientar a vida dessa mulher perdida), dizem que, afinal, era só para assustar. E, pronto!, depois deste final feliz, as nossas consciências podem de novo dormir descansadas!

Então a estes eu digo: as mulheres (porque assumem os seus deveres) querem ter direitos, não querem caridade!

Caros defensores do ‘Não’, assumam com coerência as vossas legítimas opiniões. Tenham coragem de dizer que para vocês a vida de um embrião é tão relevante, que justifica que uma mulher que interrompe uma gravidez seja julgada em tribunal e cumpra uma pena de prisão, que pode ir até 3 anos!

Eu sei que as vossas consciências não ficarão tão tranquilas, mas, pelo menos, merecerão mais respeito.

Mafalda Carvalho
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